Raias e tubarões ganham status de proteção contra
comércio de carne
Contrariando
o pessimismo que costuma rondar as conferências de meio ambiente das Nações
Unidas, a reunião trienal da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies
Ameaçadas de Fauna e Flora (Cites, em inglês) terminou ontem em Bangcoc, na
Tailândia, com ótimas notícias para a biodiversidade marinha.
Cinco
espécies de tubarão e duas de raia-manta foram incluídas no chamado Anexo 2 da
convenção, o que significa que seu comércio terá de obedecer as regras
internacionais de conservação e sustentabilidade, para evitar que elas entrem
em risco imediato de extinção. (clique aqui para ler
uma descrição dos diferentes anexos da Cites e entender como a convenção
funciona).
Quase que
simultaneamente, os Ministérios da Pesca (MPA) e do Meio Ambiente (MMA) do
Brasil publicaram nesta semana duas instruções normativas (INI-1 e INI-2) proibindo a
pesca de raias-mantas e de tubarões da espécie galha-branca-oceânico em águas
brasileiras, assim como a comercialização dessas espécies em território
brasileiro – mesmo que tenham sido pescadas fora do País.
Ambas as
decisões foram muito comemoradas por cientistas e ambientalistas que há anos
fazem campanha pela proteção desses animais, seriamente ameaçados pela forma
predatória e sem regulamentação com que são pescados no mundo todo.
“Claro
que há uma série de poréns sobre como essas decisões vão ser implementadas, mas
só o fato de terem sido publicadas já é uma conquista histórica”, disse ao
Estado o pesquisador Otto Bismarck Gadig, especialista em tubarões e raias da
Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“É uma
conquista enorme; um dia muito feliz para nós”, comemorou, também, Guilherme
Kodja, diretor do projeto Mantas do Brasil, do Instituto Laje Viva, que atua principalmente na região
do Parque Estadual Marinho da Laje de Santos, onde as raias-mantas são vistas
com mais frequência no Brasil. “Agora começa o desafio ainda maior, de
implementar e fiscalizar essas decisões, para que elas se tornem efetivas e não
fiquem apenas no papel.”
“Esse é,
talvez, o avanço mais importante para a conservação de raias e tubarões nos
últimos dez anos”, declarou em um press release Gregory Stone, cientista chefe
para Oceanos da ONG Conservação Internacional, que recentemente ajudou a criar
um santuário de raias e tubarões na
região de Raja Ampat, na Indonésia. Para a diretora geral da União
Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), Julia
Marton-Lefèvre, “as decisões da Cites ajudarão a assegurar a sobrevivência de
várias espécies ameaçadas na natureza”.
“É um
passo histórico para a proteção dessas espécies”, reforçou Nick Dulvy, do Grupo
de Especialistas em Tubarões da IUCN, em nota divulgada pela instituição.
“Depois de duas décadas de avanços lentos e fragmentados, os países membros da
Cites concordaram em complementar suas leis nacionais de pesca para garantir que
o comércio global seja feito de forma sustentável e legal.”
As cinco
espécies de tubarão protegidas agora pelo Anexo 2 da Cites incluem o
galha-branca-oceânico, o tubarão-golfinho (ou sardo), e três espécies de
tubarão-martelo. As duas espécies de raias-manta são a gigante-oceânica e a
recifal. Todas são consideradas ameaçadas de extinção, em diferentes graus. A
inclusão no Anexo 2 não proíbe a pesca dessas espécies, mas exige que ela seja
realizada de forma sustentável, legalmente controlada e obedecendo a limites
tecnicamente definidos, de forma a evitar um colapso de suas populações
(espécies consideradas já criticamente ameaçadas são incluídas no Anexo 1, em
que o comércio é proibido, como no caso dos elefantes africanos).
Martelada
brasileira. A proposta referente aos tubarões-martelo, especificamente, foi
apresentada à Cites pelo Brasil, representado em Bangcoc pela bióloga Monica
Brick Peres, do MMA, apontada por todos os envolvidos como a principal
responsável pelo sucesso da iniciativa. “Mesmo depois de muita gente ter jogado
a toalha, ela continuou brigando, não desistiu nunca”, elogia Gadig. “A Mônica
é, sem dúvida, a grande heroína dessa história toda”, concorda Kodja. Os
Estados Unidos já haviam tentando incluir esses mesmos tubarões no Anexo 2 na
reunião anterior da Cites, em 2010, porém sem sucesso.
Uma outra
instrução normativa proibindo a pesca dessas três espécies de tubarão-martelo
no Brasil (além do galha-branca-oceânico) deverá ser publicada em breve.
“Estamos apenas discutindo os detalhes finais com o Ministério da Pesca para
publicar”, disse ontem o coordenador de Gestão de Recursos Pesqueiros do MMA,
Roberto Gallucci.
Segundo
Gallucci, o fato de a instrução normativa sobre o tubarão galha-branca-oceânico
ter sido publicada nesta semana, junto com a reunião da Cites, foi uma “feliz
coincidência”. A proibição, na verdade, foi motivada por uma decisão da
Comissão Internacional para Conservação do Atum do Atlântico (ICCAT, em inglês), da qual o Brasil é signatário. A
comissão fez uma análise das capturas de galha-branca-oceânico como fauna
acompanhante da pesca de atum e concluiu que o tubarões, de fato, estavam sendo
colocados em risco por esta pescaria. Por conta disso, todos os países membros
do ICCAT receberam a “recomendação” (na prática, uma ordem) de proibir a pesca
da espécie. O mesmo para os tubarões-martelos.
FOTO:
Tubarão-martela nas Ilhas Galápagos, Equador.
Cobiçados
pelas barbatanas. Os tubarões-martelo, assim como o galha-branca-oceânico,
estão entre as espécies mais atingidas pela prática de “finning”, uma pesca
predatória em que só as barbatanas dos animais são cortadas e comercializadas
para produção de sopas na Ásia. Já as raias-mantas são pescadas em alguns
países para extração de sua guelras, que muitos
asiáticos, principalmente na China, acreditam ter propriedades
medicinais.
No
Brasil, segundo Gallucci, nem os tubarões nem as raias têm muito valor
comercial, mas ambos são vítimas da pesca incidental – em que acabam sendo
capturados em redes ou anzóis (da pesca espinhel, por exemplo) de barcos
voltados para a pesca de outros peixes oceânicos, como o atum e o espadarte.
“Não há pesca direcionada a tubarões no Brasil; eles só são capturados como
‘fauna acompanhante’ de outras pescarias”, afirma Gallucci. O que não significa
que eles não precisem de proteção, ressalta ele.
A
proibição é importante para garantir a conservação dessas espécies, aponta Gadig,
por conta de várias características ecológicas que as tornam extremamente
vulneráveis a qualquer pressão de pesca. As raias-mantas, por exemplo, vivem em
populações esparsas e tem um ciclo reprodutivo extremamente lento. “Mesmo um
número pequeno de raias pescadas pode ter um impacto muito grande nessas
populações”, explica o pesquisador.
Segundo o
pesquisador Alberto Amorim, do Instituto de Pesca de
São Paulo, cerca de 750 espécies de elasmobrânquios (peixes cartilaginosos,
incluindo raias e tubarões) são pescadas como fauna acompanhante de todas as
modalidades de pesca. “Como exemplo, a pesca atuneira com sede em
Santos/Guarujá chegou a capturar cerca de 60% de tubarões em sua produção
total, em 1993. Assim, os tubarões e raias são sempre capturados em pequena
e/ou grandes quantidades nas diferentes artes de pesca”, explica Amorim, que
estava em Bangcoc acompanhando a reunião, como correspondente estatístico da IUCN.
“Com a ausência desses grandes predadores, haverá um grave desequilíbrio na
natureza, com prejuízos diretos ao homem. No Brasil, país considerado como um
dos principais consumidores de carne de cação (a mesma coisa que tubarão),
ficará sem esse produto mais barato, que entra na “moqueca baiana” e outros
pratos típicos. Fala-se muito sobre o “finning” em todo mundo, mas aqui no
Brasil, os barcos nacionais não fazem essa prática, pois a carne de cação tem
mercado.”
Uma
instrução normativa interministerial do MMA/MPA (IN-14) publicada no ano
passada já proíbe o “finning” no Brasil, exigindo que os tubarões sejam
desembarcados inteiros, e não apenas suas barbatanas.
“Vivo ou
morto”. As Instruções Normativas publicadas nesta semana determinam que: “Os
indivíduos de (tubarão galha-branca ou raias-mantas), capturados de forma
incidental deverão, obrigatoriamente, ser devolvidos inteiros ao mar, vivos ou
mortos, no momento do recolhimento do aparelho de pesca”. Gallucci, do MMA, não
prevê impactos econômicos por conta dessas proibições.
“Nenhum
pescador depende dessas espécies para sobreviver”, concorda Gadig. “A grande
crueldade é justamente o fato de que não há pesca direcionada de tubarões no
Brasil, mas mesmo assim eles são pescados em grande quantidade, como fauna
acompanhante.” Segundo ele, o fato de as instruções normativas não proibirem a captura
desses animais (apenas exigindo que eles sejam devolvidos ao mar “vivos ou
mortos”) pode ser um ponto fraco, no sentido de que não impedem a captura
inicial; mas, ainda assim, funcionam como um desestímulo importante ao proibir
totalmente a comercialização delas em território nacional. “Mesmo que não
tenham um impacto econômico grande, não são medidas puramente simbólicas”, diz
ele. “Acho que haverá, sim, um impacto na postura dos pescadores.”
Detalhe:
as instrução normativa das raias aplica-se a todas as espécies da família Mobulidae
(conhecidas por muitos nomes, como raia-diabo), e não apenas às duas espécies
maiores de raias-mantas, como no caso da decisão da Cites. Segundo Gadig, seis
espécies da família ocorrem na costa brasileira, o que faz do Brasil o País com
a maior diversidade de raias desse grupo no mundo.Estadão
Fonte: http://www.paraiba.com.br/2013/03/21/25034-raias-e-tubaroes-ganham-status-de-protecao-contra-comercio-de-carne
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